O Dilema dos Dados na Blockchain: Revisitando a Proposta 'The Cat' e o Futuro do Bitcoin em 2025
**Data:** 27 de dezembro de 2025
No dinâmico universo das criptomoedas, o Bitcoin continua a ser o epicentro de debates cruciais que moldam não apenas seu futuro, mas o de toda a inovação financeira descentralizada. Em meio à sua constante evolução e à crescente adoção global, a rede mais robusta do mundo enfrenta desafios complexos, especialmente no que tange à gestão de dados e à preservação de seus princípios fundamentais. Um desses debates, que ecoou intensamente em 2023 e cujas ramificações ainda são sentidas hoje, girou em torno de uma controversa Proposta de Melhoria do Bitcoin (BIP) apelidada de "The Cat".
Esta proposta, que sugeria tornar permanentemente impossíveis de gastar milhões de outputs (UTXOs) associados a inscrições de Ordinals e Bitcoin Stamps, desencadeou uma profunda reflexão sobre a natureza do Bitcoin: seria ele apenas um sistema monetário ou um ledger imutável capaz de hospedar qualquer tipo de dado? Em 2025, enquanto o mercado cripto amadurece e a regulação cripto se intensifica em diversas jurisdições, revisitar "The Cat" nos oferece uma lente valiosa para entender as tensões inerentes à escalabilidade, à inovação e à resistência à censura no coração da blockchain.
A Ascensão dos Dados Arbitrários e o Inchaço da Blockchain
A vitalidade do Bitcoin reside em sua capacidade de registrar transações de forma descentralizada e segura. Contudo, a introdução de novos protocolos nos últimos anos trouxe uma dimensão inesperada à sua utilização, gerando um debate acalorado sobre os limites e a finalidade da rede.
O Fenômeno Ordinals e Bitcoin Stamps
O surgimento dos Ordinals em 2023, que permitiu a "inscrição" de dados arbitrários – como imagens, textos e até pequenos programas – diretamente nos satoshis (as menores unidades de Bitcoin) por meio da funcionalidade Taproot, representou um marco. Logo em seguida, os Bitcoin Stamps surgiram como uma alternativa, utilizando endereços multisig "falsos" para criar outputs que também armazenavam dados de forma aparentemente indelével.
Essas inovações, embora celebradas por alguns como uma expansão da utilidade do Bitcoin e uma nova fronteira para a criatividade na blockchain, foram vistas por outros como uma forma de "spam" ou uso ineficiente dos recursos da rede. A ideia de que o Bitcoin poderia ser uma plataforma para NFTs e outras formas de dados não-monetários desafiou a visão tradicional de que sua principal função é a transferência de valor.
A Explosão de UTXOs e o Problema do "Dust"
O principal ponto de atrito técnico gerado por Ordinals e Stamps foi o rápido crescimento do conjunto de UTXOs (Unspent Transaction Outputs). Um UTXO é, essencialmente, uma fração de Bitcoin que ainda não foi gasta e está disponível para uso futuro. Cada transação na rede consome UTXOs existentes e cria novos.
Em 2023, o número de UTXOs do Bitcoin mais que dobrou, saltando de cerca de 80-90 milhões para impressionantes 160 milhões de entradas. Uma parcela significativa desse aumento era composta por UTXOs de valores muito baixos, frequentemente abaixo de 1.000 satoshis – o que é conhecido como "dust" (poeira). A maioria desses "outputs de poeira" não era destinada a movimentações financeiras, mas sim ao armazenamento de dados, contornando as regras do OP_RETURN, um opcode historicamente usado para limitar o volume de dados não-monetários na blockchain.
O Custo da Flexibilidade: Impactos na Rede Bitcoin
Para muitos desenvolvedores e operadores de nodes, o inchaço do conjunto de UTXOs não era apenas uma questão estética, mas um problema prático com implicações diretas na saúde e na descentralização da rede.
Desafios Operacionais para Nodes
Cada node completo na rede Bitcoin precisa carregar e manter atualizado o conjunto completo de UTXOs para validar novas transações. Um conjunto de UTXOs maior exige mais armazenamento, mais memória RAM e mais poder de processamento, elevando os custos operacionais para quem deseja rodar um node. Isso, por sua vez, pode desencorajar novos participantes e centralizar a operação de nodes em entidades maiores com mais recursos, comprometendo a descentralização, um pilar fundamental do Bitcoin.
O tempo de sincronização para novos nodes também aumenta drasticamente, tornando mais difícil para indivíduos ou pequenas empresas participarem plenamente da validação da rede. A eficiência e a agilidade, características desejáveis para qualquer sistema financeiro, começam a ser corroídas.
A Visão dos Desenvolvedores Core
Desenvolvedores experientes do Bitcoin Core, como Mark Erhardt e Greg Maxwell, expressaram preocupação. Erhardt chegou a classificar o uso dos Stamps no conjunto UTXO como "provavelmente, do ponto de vista técnico, um dos usos mais lesivos do blockchain". A visão tradicional, defendida por Maxwell, sempre foi a de que o Bitcoin deveria priorizar as movimentações financeiras e restringir o uso de dados arbitrários, uma filosofia que levou à criação de limites para o OP_RETURN.
Para esses desenvolvedores, a capacidade de armazenar grandes volumes de dados de baixo valor era uma exploração de vulnerabilidades no protocolo, e não uma inovação benéfica. A rede, em sua essência, foi projetada para ser um sistema de caixa eletrônico peer-to-peer, não um disco rígido global.
"The Cat": Uma Proposta Radical para a Limpeza da Rede
Diante desse cenário, a proposta "The Cat" surgiu como uma solução drástica, mas para seus defensores, necessária. A BIP visava abordar diretamente o problema do inchaço causado pelos UTXOs de dados.
Mecanismo e Objetivo
A proposta introduzia o conceito de Non-Monetary UTXOs (NMUs), que seriam sinalizados por indexadores com um bit específico. Outputs identificados como NMUs, principalmente aqueles ligados a inscrições e com valores abaixo de um certo limite (como 1.000 satoshis) em determinadas janelas de tempo, se tornariam permanentemente impossíveis de gastar.
A lógica era simples: se um UTXO não possui valor monetário significativo e está sendo usado apenas para armazenamento de dados




