CPI da Íris: Worldcoin sob Escrutínio no Brasil e os Desafios da Regulação Cripto
Data Atual: 11 de dezembro de 2025
A intersecção entre inovação tecnológica, privacidade de dados e o dinâmico universo dos criptoativos tem sido um campo fértil para debates e, mais recentemente, para investigações parlamentares no Brasil. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Íris, instituída na Câmara Municipal de São Paulo, intensificou suas apurações sobre as operações da Tools For Humanity, a empresa por trás do projeto Worldcoin. O cerne da questão reside na legalidade e nas implicações éticas da coleta de dados biométricos sensíveis da população em troca de compensações financeiras pagas por meio de seus próprios ativos digitais, levantando sérias preocupações sobre a venda e o uso indevido de informações pessoais.
Este artigo explora os desenvolvimentos recentes da CPI, a participação de figuras públicas como o influenciador Felca, a notável ausência de representantes de órgãos reguladores financeiros e as amplas ramificações deste caso para o mercado cripto e o futuro da regulação no país.
O Coração da Investigação: Biometria, Criptoativos e a Worldcoin
A CPI da Íris se debruça sobre um modelo de negócios que, embora inovador, levanta questionamentos fundamentais sobre a proteção de dados e a soberania financeira. A Worldcoin, projeto fundado por Sam Altman (também CEO da OpenAI), propõe a criação de uma rede global de identidade digital e financeira, onde indivíduos podem provar sua "humanidade" através do escaneamento de suas íris, realizado por um dispositivo esférico chamado "Orb". Em troca, os participantes recebem tokens Worldcoin (WLD), um criptoativo próprio da iniciativa.
Worldcoin: Uma Proposta Inovadora sob Questionamento
A promessa da Worldcoin é ambiciosa: combater fraudes, facilitar o acesso a serviços financeiros e até mesmo distribuir uma forma de renda básica universal na era da inteligência artificial. No entanto, a forma como essa identidade digital é construída – através da coleta de dados biométricos únicos e irrefutáveis – tem gerado apreensão globalmente. Críticos argumentam que a centralização de um banco de dados tão sensível nas mãos de uma corporação privada, especialmente uma estrangeira, representa um risco sem precedentes para a privacidade e a segurança individual. A compensação em criptoativos, por sua vez, adiciona uma camada de complexidade regulatória, visto que esses ativos operam fora dos sistemas financeiros tradicionais e, em muitos países, ainda carecem de uma estrutura legal clara.
A CPI de São Paulo: Foco na Legalidade e Proteção de Dados
Em São Paulo, a CPI tem como foco principal a legalidade da atuação da Tools For Humanity. As denúncias que motivaram a investigação apontam para a prática de coleta massiva de íris em locais públicos, muitas vezes sem a devida clareza sobre o consentimento informado e o destino final dos dados. Parlamentares investigam se há uma prática velada de "venda" de dados pessoais, onde a compensação em tokens WLD seria o incentivo para a entrega de uma das informações mais sensíveis de um indivíduo. A preocupação é que, uma vez coletados, esses dados possam ser utilizados para fins não declarados ou, pior, serem comprometidos em eventuais vazamentos, com consequências irreversíveis para os titulares.
O Influenciador Digital e o Debate Regulatório: Felca na Linha de Frente
Um dos momentos de maior repercussão da CPI foi a convocação virtual do influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca. Sua participação trouxe à tona a complexa relação entre a influência digital, os interesses corporativos e o processo legislativo.
A Convocação de Felca: Entre a Influência Digital e os Interesses Corporativos
Felca foi convidado a prestar esclarecimentos devido à sua notável influência em pautas de segurança infantil online e sua contribuição para a recente atualização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A presidente da comissão, vereadora Janaina Paschoal (PP), detalhou a conexão investigada: a Tools For Humanity teria contratado terceiros para realizar lobby junto a órgãos públicos, visando a aprovação de projetos de lei favoráveis ao uso de suas tecnologias de identificação digital. A parlamentar sugeriu que o "ECA Digital", uma das iniciativas que a empresa buscava influenciar, teria sido "agilizado" pela visibilidade gerada pelos vídeos de Felca. A implicação é que, mesmo que involuntariamente, o trabalho do influenciador poderia ter convergido com os interesses da empresa, criando um cenário de potencial conflito de interesses ou de uso instrumentalizado da influência.
Felca Nega Vínculos e Alerta para Riscos da Privacidade
Em seu depoimento, Felipe Bressanim foi categórico ao negar qualquer contato comercial, proposta ou vínculo entre sua equipe e a Tools For Humanity. O influenciador afirmou não ter qualquer parceria ou contrato com a empresa responsável pelo escaneamento de íris.
Questionado pela relatora da CPI, vereadora Ely Teruel (MDB), sobre a segurança do armazenamento de dados biométricos sensíveis por uma corporação estrangeira e os riscos de um banco de dados global baseado em leitura de íris, Felca manifestou profunda cautela. Ele classificou a prática como "questionável" sob a ótica da privacidade, alertando para o potencial "fim perigoso" que a centralização de dados tão precisos pode acarretar. Sua perspectiva ressalta a preocupação crescente de que a busca por dados, especialmente os mais detalhados, pode levar a cenários de vigilância ou manipulação que comprometem a liberdade e a autonomia individual.
O Vácuo Regulatório e a Ausência das Autoridades Financeiras
Outro ponto crítico da investigação tem sido a fiscalização dos pagamentos realizados pela Worldcoin em moedas digitais sem regulação centralizada. A CPI tem tentado, sem sucesso, obter a colaboração de importantes órgãos reguladores do sistema financeiro brasileiro.
Criptoativos e a Questão do Curso Legal: Um Desafio para o Estado
A legislação brasileira, embora tenha avançado com a Lei 14.478/2022 que estabelece o marco legal para o mercado de criptoativos, ainda não detalha a forma de regulação para todos os tipos de ativos digitais, especialmente aqueles que funcionam como meio de pagamento sem ser moeda fiduciária. A questão central levantada pelos parlamentares é a legalidade de contratos firmados com pagamentos em ativos que não possuem curso legal oficial no país. A vereadora Janaina Paschoal expressou a necessidade de clareza regulatória: "Nós queremos saber, aos olhos desses órgãos, se é lícito estabelecer contratos de empresas, contratos com pessoas, pagando em uma moeda que o próprio contratante inventa." Essa indagação toca em um ponto sensível para o Banco Central, a Receita Federal e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que são as principais instituições encarregadas de fiscalizar e regular o mercado financeiro e de capitais.
Convocação e Intimação: A Pressão Parlamentar sobre BC, Receita e CVM
A CPI convidou representantes do Banco Central e da Receita Federal por duas vezes para explicarem a licitude dessas transações financeiras. Em ambas as ocasiões, nenhum representante das instituições compareceu à Câmara Municipal de São Paulo. Diante da ausência, os vereadores aprovaram, por unanimidade, requerimentos para intimar esses dois órgãos, além da CVM, a prestarem contas obrigatórias. Essa medida demonstra a seriedade com que a CPI encara a falta de cooperação e a urgência em obter respostas sobre a supervisão de um mercado que movimenta bilhões e impacta milhões de brasileiros




